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Foto do escritorGabriela Leite

Contamos histórias a nós mesmos a fim de viver


Foto: Marcos Paulo Prado/Unsplash

“We tell ourselves stories in order to live”. Em tradução livre, “contamos histórias a nós mesmos a fim de viver”. Com esta frase, Joan Didion, escritora e jornalista norte-americana, inicia a sua coletânea de ensaios, The White Album.


A frase me faz refletir em todas as histórias que contei a mim mesma para viver. Muitas foram as vezes em que recheei minha vida de imensas camadas de romantização para que tudo soasse mais poético, romântico, dramático.


Contamos histórias a nós mesmos para encontrar um propósito maior do que o que temos nas mãos ou talvez para fugirmos de fardos que não entendemos os motivos de serem tão presentes.


Temos vivido tempos tão incertos e confusos que, dia e noite, deixamos que nos contem histórias para que encontremos sentido ou a falta dele nas nossas vidas ordinárias. Nós contamos histórias para viver, mas, através da literatura, nós deixamos que nos contem histórias. Inúmeras vezes utilizei a leitura como instrumento de fuga em situações desagradáveis ou para evitar que elas ocorressem. Tantas foram as vezes em que preenchi vazios (existenciais ou não) com romances melosos e completamente fora da realidade numa maneira tola de encontrar toda emoção da qual eu sentia saudades sem nem mesmo ter vivido. Deixei que me contassem histórias para que, em meio a furacões, eu encontrasse calmaria e o caminho de volta para casa.


Os livros têm papel fundamental em nossa formação como pessoa; não apenas como pessoa social, mas como indivíduo de si para si. Personalidades foram formadas ao se ler sobre vidas caóticas e turbulentas de personagens complexas e de difícil definição; ideias foram fundamentadas através de ensaios, artigos e crônicas lidas no jornal durante o café.


A fim de viver, mergulhamos nas mais profundas águas da literatura como uma maneira de tentar ordenar o caos que nos envolve.


Fernando Pessoa, grande poeta português, dizia carregar o desassossego. Ou seja, a inquietação que habitava dentro de si. E, através da literatura, Pessoa incorporava todo o caos a fim de aceitá-lo e procurar entender o que se passava consigo.


Minha terapeuta diz que o hábito de cultivar um diário é terapêutico. Verbalizar, ela diz, é a forma mais eficaz de organizar pensamentos, sentimentos e emoções. Por mais confusas que sejam as páginas preenchidas de palavras desordenadas, o escrever torna-se aliado na cura da alma. Afinal, a literatura se mantém até o presente porque nela habitam as questões da alma humana. E como habitam!


Quando concordo que a escrita é terapêutica, lembro-me de todos os grandes escritores que utilizaram esta ferramenta como meio não só de retratar a sociedade do seu tempo, mas de entender quem se era perante seu grupo social. As crises do eu, a ética humana, a fome, a pobreza, a luxúria. Objetos estes que não apenas mostram quem são os outros, mas que nos confrontam para que saibamos quem somos.


Contamos, então, histórias a fim de vivermos porque são essas histórias que fazem a nossa história. Cada frase, cada verso, cada capítulo que contamos a nós mesmos saem do âmago de nosso ser porque precisamos nos encher de propósitos e sentidos. Mesmo quando não há algum.


Conto histórias a mim mesma porque, até aqui, tenho desenvolvido roteiros que despertam os meus desejos e sonhos mais profundos. E, por hora, esta é a potência motriz de viver a fim de contar histórias.

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