De volta para o futuro: a mesma discussão, só que diferente.
Hábitos são coisas que adquirimos com o tempo. Estudos mostram que levamos, em média, 21 dias para criarmos um verdadeiro hábito. Logo, você precisa repetir o seu hábito-desejo por 21 dias a fim de transformá-lo em um hábito real.
Pois bem. Eu leio desde os sete anos, e hoje tenho vinte e quatro. Calcule quantos 21 dias cabem nesse período todo. Não se esqueça dos anos bissextos, por favor. E, desde os sete anos, eu leio livros físicos. Papel, marca-texto, orelha de livro. Eu cresci com o “livro de papel”.
No sábado, seis de fevereiro de dois mil e vinte e um, eu me vi comprando um livro digital. O livro digital que comprei foi um livro que já tenho. Na minha estante. Um livro físico. E, então, peguei-me em um conflito gigantesco.
Para te contextualizar, eu fui a maior “canceladora” do Kindle, quando ele estourou aqui no Brasil. Sim. Exatamente. “Eu nunca conseguirei ler um livro digital”, disse ela, “eu preciso sentir o livro, cheirá-lo”. Essas foram as minhas exatas palavras sobre esse assunto quando minha mãe recebeu o seu Kindle de presente, fruto de uma participação em concurso. O mundo não dá voltas, ele capota.
Mas, então, eu comprei um Kindle com o meu primeiro salário como professora. “Será que vai?”, eu pensei. E foi, meus amigos. Foi muito. Eu lia dia e noite. Lia até de cabeça para baixo, quando possível. Eu estava entregue. O Kindle fez por mim o que ninguém nunca nem tentou. Eu descobri a delícia de ler antes de dormir, no escuro. Descobri como era fácil levá-lo em bolsas pequenas. Eu descobri o Kindle. E, ali, eu vi um novo amor nascer. Nós fomos feitos um para o outro.
Voltando. No último sábado, lá estava eu, pedindo desculpas ao meu exemplar físico e correndo para os braços do meu Eduardinho (e aqui você precisa saber que esse é o nome do meu Kindle, rs).
O famigerado Karl Marx nos apresenta o “fetichismo da mercadoria”, que consiste em “atribuir poder sobrenatural e prestar culto” a um produto. Não irei me alongar em conceitos teóricos aqui, porque não estamos querendo saber da teoria. Queremos entender a nossa experiência no tempo presente. Mas o fetichismo do qual Marx fala mexeu muito comigo nesse episódio em especial. Eu leio o livro pela leitura ou pelo livro? O meu prazer vem de ler o que quer que seja ou de ter em mãos o objeto que me proporciona o ato da leitura?
E você já consegue imaginar o tempo que gastei nessa guerra de uma mulher só.
Nós vivemos em uma cultura em que o livro se tornou um totem representativo do saber, do conhecimento, do capital cultural. E é muuuito difícil conseguir se desvencilhar disso. Afinal, quantos 21 dias não existiram dentro desse modelo para cada um de nós? E precisamos levar em conta que nós tememos mudanças. Isso é natural do ser humano. E eu digo isso no lugar de fala de uma pessoa medrosinha. Então, acredito que seja normal temer o desconhecido. O que nós não podemos permitir é que esse medinho nos paralise.
Em paz, irei me permitir desfrutar a leitura, independentemente de ser em um livro físico ou digital. Hoje, nada mais importa, senão a leitura.
Já li um ou outro debate sobre a questão do livro de papel e do leitor de e-book. Qual dos dois é melhor ou pior e por quê. Cheguei a indagar a mim próprio sobre isso, sobre minha preferência. Em sendo uma pessoa velha, confesso ter uma inclinação ao livro físico e toda a mística que o envolve: o tato, o cheiro, a autossuficiência (Devolvam-me o hífen, "pelamordedeus"!), a dedicatória de quem nos presenteou, nossa própria assinatura e data etc. O livro digital, por seu turno, traz dentro de si a questão da praticidade no sentido de poder ser lido no smarthphone, o qual, além de caber no bolso (ao menos os modelos mais modestos) e comportar não somente uma…