Entrevista: André Gouvêa
Atualizado: 11 de out. de 2020
“Acho que sou apaixonado por ler. Escrever é uma consequência inevitável de estar apaixonado por qualquer coisa”, é assim que o autor André Gouvêa define o seu amor pela escrita.
Um amor que nasce com o tempo e que pode desabrochar em qualquer fase da vida, a arte de dar vida a histórias, de criar mundos distópicos e brincar com as palavras, encantou o brasiliense André Gouvêa, 28 anos, que conta que começou cedo a se aventurar na criação de enredos, mas só na idade adulta começou a levar mais a sério as suas criações. Ele é um dos autores da primeira coletânea do Coletivo: Contos do Além-Mundo, que já está disponível para compra.
Formado em Psicologia pela UnB (Universidade de Brasília), com mestrado em Psicologia Clínica em Cultura e doutorando, também pela UnB, Gouvêa diz que enquanto fazia seu mestrado sobre escrita e psicanálise “sentia um desejo crescente de escrever mais, por mais difícil que às vezes fosse manter o hábito”.
“Lembro de um livrinho que eu fiz para um projeto de colégio de quando eu tinha uns 8 ou 9 anos. É a primeira produção da que tenho lembrança, mas acho que por muito tempo eu não levava muito a sério essa coisa de escrever. Quando comecei a compreender que tinha interesse em escrever, já estava na faculdade e tinha um hábito de leitura bastante regular e volumoso”, disse ele.
Para ter um contato maior com o seu idioma e se sentir mais próximo da “sua terra”, André conta que apesar de ler um pouco de tudo, há algum tempo tem se interessado especialmente pela literatura latino-americana e de língua portuguesa. “Sinto que a literatura latino-americana é marcada por um realismo mágico sensacional, coisa que vemos também em algumas tendências da literatura de língua portuguesa”, contou ele.
Sobre a escrita
André conta que com o ritmo de trabalho intenso demora mais para terminar de escrever, mas enxerga a delonga como um tempo para amadurecer a história que ele quer contar. Ele gosta de escrever seus contos de uma só vez, sem interrupções e, mesmo quando elas ocorrem, volta a escrever sem ler o que estava escrito antes.
“Geralmente, eu sou acometido de alguma imagem ou ideia provocativa. Isso, de alguma forma, insiste em mim e eu sinto que há alguma coisa para ser contada. Eu gosto de começar a escrever as histórias no papel, tenho até um caderno para isso. Pra mim, é muito importante que nesse início eu possa ter meu corpo inteiro envolvido no ato da escrita, o tato, a caneta, o cheiro, tudo. Não costumo ficar matutando muito, escrevo. Deixo umas semanas ou meses de lado e depois pego pra passar pro computador. O desafio começa na primeira frase. Eu me preocupo muito com a primeira frase, se não for a frase certa o texto não vem”.
Por que contos?
Apaixonado por contos e novelas, com um romance inacabado e um punhado de poesias, contos são o que André se sente mais confortável em escrever. “Vou atrás dos livros que me fazem sentir alguma coisa. Gosto de pensar que escrevo algo que faz sentir também. O romance me parece muito pretensioso às vezes, eu sinto que tenho que ser muito organizado e controlador para criar aquela obra e eu não sou muito fã de uma escrita controlada, prefiro algo que me escapa. Nesse aspecto o conto é o formato perfeito.”
Uma dica fundamental que André dá para quem quer escrever, além do ato da escrita em si é a leitura. “Escrever sempre, sobre qualquer coisa, sem pretensão de escrever algo de bom, é como podemos, eventualmente, escrever algo muito bom. E toda escrita se inicia num ato de leitura, seja ele qual for. Quando olhamos pro mundo ao nosso redor, estamos lendo tudo, então é nesse momento que precisamos ser ativos, fazer uma leitura intencional e política da vida ao nosso redor. Quando chega a hora de escrever, temos que abrir mão de nós mesmos. A linguagem e o texto é sempre muito maior do que a gente e nossas intenções”.
Sobre A Era dos Princípios
A Era dos Princípios será a segunda publicação do autor, que conta que só após o mestrado começou a levar um pouco mais a sério a sua produção e a buscar espaços para publicação. “Não sei se sou apaixonado pela literatura tanto quanto sinto necessidade dela. Talvez, escrever também seja consequência de não saber o que é escrever, então vou tentando”, disse.
“A Era dos Princípios surgiu no início de um novo caderno, em 2018. Eu estava pensando sobre o que poderia ser uma boa primeira frase para um caderno. A imagem do encontro final me veio e a primeira frase pareceu se mostrar. Pra mim ele fala de questões fundamentais da vida, da necessidade do outro, da displicência de acreditar que nossa concepção e o que pode reger o mundo. É uma provocação enorme, então quando eu leio eu sempre me pergunto como eu estou me colocando nas minhas relações. E o cenário bíblico foi a forma de deixar mais provocante ainda, interrogar a concepção religiosa com uma visão talvez mais moderna e mais necessária para o mundo atual”.
A coletânea Contos do Além-Mundo, que já teve sua capa revelada e está disponível para compra, reúne contos de 15 novos autores brasileiros.
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