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Foto do escritorGabriela Leite

Não se nasce escritor, torna-se escritor

Atualizado: 6 de out. de 2020


Permita-me te contar de onde eu vim. Nasci em um lar onde se lia muito. Meus pais são teólogos, e mais adiante minha mãe se tornou professora. Então, somando um mais um, eu seria uma menina dos livros. E realmente fui. Gostava de ler as histórias da bíblia, gostava de ouvir histórias que meus pais me contavam na tentativa de fazer-me dormir.


Como qualquer criança, eu amava inventar. Eu inventava histórias para as bonecas, inventava histórias para fugir do castigo e, enfim, inventava histórias só por inventar. Por inúmeros fatores, não me recordo muito sobre a infância, mas ocorre-me um episódio muito ilustre. Na quinta série, uma professora pediu que escrevêssemos uma redação sobre a nossa infância. O que eu escrevi já não me lembro, mas lembro que no final do texto, abaixo da minha assinatura, eu escrevi algo como “os anos dourados de Gabriela”. Ali, aos dez anos, eu já imaginava que eu seria uma pessoa interessante o bastante para que outras pessoas interessantes o bastante se dessem o trabalho de ler uma autobiografia minha. A modéstia…


Até aqui, você provavelmente acharia que eu realmente nasci escritora. Não exatamente.


Escrever, no cenário da infância, era apenas um hobby. Apenas o mexer da mão direita. Apenas juntar uma palavra à outra até que formasse uma frase que formaria um texto. Mas, ao crescer, fui entendendo que a escrita não era - e não poderia ser - apenas um ato de marcar o papel com lápis. Escrever torna-se, então, um ato de resistência e modo de sobrevivência. Meus pais, os teólogos mencionados anteriormente, divorciaram-se aos meus sete anos. Como eu me manteria sã? Escrevendo. Afinal, nada melhor para organizar ideias do que colocá-las no papel. Desenvolvi uma síndrome raríssima. Escrever fazia com que eu entendesse o que, exatamente, eu sentia em relação a isto. O bullying na escola me feria cinco dias na semana. As minhas cartas de ódio, escritas em um diário, deixavam-me mais leve. Você consegue perceber como a escrita se tornou outra coisa ao decorrer da minha vida? Porque eu não nasci sabendo que o ato de escrever me ajudaria a viver e sobreviver. Precisei, antes de tudo, ser moldada pela escrita. Precisei, acima de tudo, entender como a escrita influenciava cada pequeno detalhe da minha caminhada.


Talvez, algumas pessoas realmente tenham nascido com o dom. De repente, alguém sentou à escrivaninha, ligou o computador um dia e escreveu o maior romance do mundo. E eu admiro isso. De verdade. Mas ainda acredito que o processo de descobrir-se escritor é uma dessas coisas boas e complexas que a vida nos dá.


Ontem mesmo, disse a minha mãe que não quero ser escritora de ficção. Que queria me especializar em não ficção apenas. Hoje, escrevendo este texto, reconheço que essa foi a afirmação mais boba que já fiz. Primeiro, ontem à noite, eu comecei a escrever um conto. Sim, exatamente. Segundo, quem sou eu para delinear aonde serei levada pela minha escrita? Quem sou eu para ditar o que as palavras farão de mim? Gosto de pensar que as palavras fazem o escritor, não o contrário. Querer moldar a sua escrita só por você mesmo é praticamente impossível. A maioria dos grandes escritores fala que suas personagens têm vida própria e eles só acatam às suas ordens. Hoje quero declarar que não só as personagens, mas a escrita também tem vida própria. Quantas vezes forçamos a caneta no papel a fim de escrever algo, mas ao decorrer do tempo, a escrita se torna uma coisa completamente distinta do que estipulamos? Esse foi o caso deste texto. Eu esperava escrever algo que eu já vinha delimitando na minha mente, mas a história, o ambiente, as palavras me encaminharam a lugares e memórias que são muito mais deliciosas do que o caminho que eu havia traçado.


Escreva. Escreva muito. Saiba que a escrita te torna quem você é. Disso, você não deve esquecer nunca.

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