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Foto do escritorMicaela L.

Vamos juntes: algumas reflexões (não tão novas) sobre a linguagem neutra

Atualizado: 30 de mar. de 2020

Se você tem andado por esses cantões da internet, já deve ter visto em algum tweet ou texto do Facebook o aparecimento de expressões como "tod@s" ou "todxs". Ultimamente, muitos "todes" têm surgido por aí, e há quem estranhe esse uso por não saber do que se trata – há, também, aqueles que debatem acaloradamente contra tal utilização. Mas de onde veio? Como surgiu? Para que serve?


Por mais que gostemos de pensar o contrário, a verdade é que muita gente ainda não está familiarizada com pautas das lutas feministas ou da comunidade LGBTQI+. E esse pode ser o caso do gênero neutro, linguagem neutra ou não-binária.


Então, já que as primeiras coisas vêm primeiro, como se gosta de dizer, vamos ao início: o que é essa linguagem neutra?


Quando nos referimos à linguagem neutra ou não-binária, estamos falando dos recursos utilizados para a construção de um discurso neutro e que contemple, de fato, todos os interlocutores. Tais recursos vão desde o uso de epicenos, de forma a evitar o plural muitas vezes realizado no masculino, às palavras que não precisem do uso do artigo determinante e, portanto, essencialmente binário, ao menos na Língua Portuguesa, que divide-se em apenas dois gêneros: masculino e feminino.


  • Cabe aqui uma rápida explicação sobre o termo não-binário (ou não-binarie).

Bandeira do orgulho não-binário

A não-binariedade ou identidade não-binária é um daqueles termos que conhecemos como “guarda-chuva”, pois engloba diversas identidades dentro do espectro de seu significado, e refere-se àquelas identidades de gênero que não se restringem apenas ao feminino ou masculino, fugindo, portanto, da binariedade de gênero. Vale ressaltar que existe diferença entre gênero biológico, aquele identificado no nascimento com base nas genitálias do bebê, e a identidade de gênero, que diz respeito à autopercepção que cada um de nós tem.

A partir das percepções diversas e particulares em relação à forma de se expressar enquanto ser de todo um grupo, nasce a necessidade de uma linguagem adequada para referir-se a essas pessoas. E é nesse sentido que também surge a tentativa de se expressar um gênero neutro com os “x”, “@” e “e” que vemos por aí.


Pense você que quisesse dizer algo sobre si próprio, ou talvez quisesse se expressar em relação a algum assunto, mas não houvesse palavras adequadas para que você o fizesse. Desesperador, para dizer o mínimo, pensar na possibilidade de não ter uma voz, não? Ou então, para você que se identifica com um dos gêneros binários, imagine ser sempre chamado pelo gênero oposto, ainda que você tivesse se expressado inúmeras vezes a respeito do gênero no qual se reconhece. Não se sentiria desconfortável por não ser tratado da maneira que se reconhece? Imagine agora nem mesmo ter seu gênero reconhecido na sua língua materna.


Inicialmente, viu-se muito, lá por meados de 2016 em diante, o uso recorrente de partículas neutralizadoras como “x” ou “@” para que houvesse uma inclusão (ao menos num espectro limitado, que será comentado adiante) dos interlocutores naquele discurso. Daí o aparecimento de “todxs juntxs”, “tod@s junt@s”. Esses usos nasceram a partir de muito debate a respeito da necessidade de que todes, de fato, tivessem uma representação na língua – naquele momento, como foi visto, ao menos na escrita.


Tão rápido quanto essas formas ascenderam, caíram em desuso: como bem se pode notar, são impronunciáveis. Como se transpõe um “todxs” da modalidade escrita para a oral, por exemplo? Foi esse o problema enfrentado por muitos deficientes visuais usuários de softwares de leitura. E foi também o que gerou muita crítica ao uso do gênero neutro, por incluir alguns, mas deixando outros de fora.


A solução encontrada foi o uso do “e” enquanto determinante do gênero neutro. Ou do “u”, dependendo da palavra, como vemos no pronome “elu”.


Mas, como tudo, todos têm muito o que dizer – e criticar – pelo menos sobre o gênero neutro, por ser uma questão mais específica da língua. Há quem defenda a estética, dizendo que esse acréscimo do “e” é uma deturpação da Língua Portuguesa; há quem diga que gramaticalmente não faz sentido, uma vez que defendem que o único gênero efetivamente marcado é o feminino. A partícula “–o” funcionaria, nesse entendimento, muito como o termo “guarda-chuva” que vimos acima, abarcando todos os gêneros e funcionando, na verdade, como neutro quando se trata do plural. Um tanto confuso, se vocês forem me perguntar. Mas esse pensamento é o que valida o não uso do gênero neutro para algumas pessoas.


Toda essa questão é muito extensa, e existe conteúdo pela rede para dias e mais dias de leitura. Mas a questão que pode ter surgido com todo esse papo é: está na dúvida de como tratar alguém? É simples: pergunte! No máximo, você vai ganhar um olhar surpreso. Não há regras para forma de se dirigir a pessoas não-binárias. Cada uma se identifica de determinada maneira em relação a um tratamento.


No fim, cada um faz sua escolha, a verdade é essa. Mas numa sociedade em que diversos debates estão em voga e que o respeito às especificidades do outro é mais do que essencial, há que se manter em mente que é necessário respeitar a forma de expressão de cada pessoa. E isso acontece, primordialmente, com o uso de uma linguagem adequada.

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